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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Afinal, o que é um artista?

Estive me questionando esses dias sobre qual o papel do artista no mundo e qual a utilidade da arte. Por um longo período eu tive a ideia de que a arte era resultado da pura projeção de uma ideia para um meio material, mas nos últimos 7 anos eu tenho me dado conta de que na realidade, muito além de uma simples projeção imagética, a arte é fruto de uma longa serie de "saltos imaginativos"  que através da manipulação material ou sua simples execução provocam no publico uma mudança emocional, uma alteração de consciência e em certo sentido uma completa mudança no plano existencial¹.


Piet Mondrian. Composição em Vermelho, Azul e Amarelo. 1930. Oléo sobre tela, 51cm x 51cm. Coleção de Sr. e Sra. Armand P. Bartos, Nova York



Tendo isso em mente, eu comecei a me perguntar como essa minha conceptualização sobre mudança de status emocional ou mesmo de consciência pessoal poderia se aplicar no trabalho de artistas como Mondrian ou Polock que não se limitaram a reproduzir imagens de objetos ou coisas que existem no plano real de existência, ou no plano da vida cotidiana. Como as composições de Mondrian  repletas de quadrados e retângulos ou as manchas de tintas de Polock poderiam emocionar o observador ou mesmo muda a sua consciência de si?

Cheguei à conclusão de que mesmo não reproduzindo algo que pertença ao "plano real", a arte desses artistas apresentam um lado humano que está presente em outras obras. Para avaliar isso decidi fazer uma espécie de histórico da evolução temática da arte.

Judith Leyter. Menino com Flauta.1630-1635. Óleo sobre tela, 1,60mX2,49m. Museu Nacional, Estocolmo.
Inicialmente se tinha a ideia de que apenas os grandes temas deveriam ser representados e entre esses “grandes temas” estavam inseridos os grandes heróis, os deuses da mitologia greco-romana e cenas e personagens bíblicos. Por volta do século XVII, a arte ocidental (sobretudo com o trabalho de artista holandeses como Judith Leyster, Frans Hals, Rembrandt entre outros.) começa a inserir ainda que timidamente imagens do cotidiano, paisagens e naturezas mortas, e esses novos temas passam também a compor grandes pinturas, e que para além disso a representação do não humano através da representação de paisagens e natureza morta incorporavam a percepção emotiva do artista com relação a natureza e o mundo que o cerca. Nesse sentido, percebeu se que a dimensão humana na arte não estava confinada a representação do ser-humano, mas que essa dimensão também é perceptível na visão do artista e não somente naquilo que ele simplesmente representa. 

Vincent Van Gogh, Campo de Trigo com Corvos, Óleo sobre tela 50,5 cm X 103 cm. Van Gogh Museum. Amsterdã.
Embora o elemento representado também tenha bastante importância em uma obra, a atividade de construção e a capacidade de projeção imagética e a própria realização da  obra lhe conferem humanidade. Nesse sentido os trabalhos de Pollock e Mondrian, ainda que não sejam os primeiros trabalhos do que acabou sendo conhecido como “ARTE ABSTRATA”, demonstram uma nova forma de enxergar e experimentar o mundo.  Essa nova forma de enxergar o mundo só poderia nos ser possível no século XX.

Jackson Pollock. Um (Numero 31,1950). 1950. Óleo e tinta esmaltada sobre tela, 2,69 m X 5,32m. MoMa, Nova York.

O dadaísmo representa a grande ruptura artística da nossa época, o movimento que surgiu por volta de 1916 na cidade de Zurique e que era liderado por artistas como o poeta judeu Tristan Tzara , Hugo Ball e Hans Arp, questionavam através das suas obras totalmente nonsense a irracionalidade de uma época marcada pela guerra. Segundo Jorge Glusberg em “A arte da Performance”, o futurismo, a intervenção artística  “Untitled Event”, organizada pelo  compositor, teórico musical e escritor americano John Cage, assim como também a Action Paiting do anteriormente citado Jackson Pollock foram essenciais para o surgimento do que hoje conhecemos como “Performance Art”.

Yves Klein. Salto no Vazio. 1962. Nice, França.

Surgida na década de 60, a performance art é um mudança total na forma como produzimos  arte.  A arte da performance  destruí a ultima fronteira entre obra e criador ao colocar o próprio artista dentro da obra. Mas como alerta Glusberg:

 “Pode-se talvez, a partir daí chegar a conclusão de que este tipo de arte enfocada é uma arte egomaníaca. O artista usando a si próprio exclusivamente como material- conteúdo, deve ser pensado como uma extrema manifestação de seu ego artístico. Contudo, se este é o caso, então tais artistas estão trilhando um caminho totalmente errado. Sua performance-body art  não  é glorificante. Nem é pessoal, no sentido que a própria personalidade do artista que se torna o assunto. Como manifestação, estes  trabalhos não expressam nada que não seja do artista como individuo. , como pessoa, como emoção. Se alguma coisa em oposição é verdadeira, é que estes trabalhos devam se parecer muito com os trabalhos da época ancestral, do clima não controlado, e serem na verdade proposições antiegóides.” ( GLUSBERG. P.145)

Sendo assim, a arte da performance desempenha um papel vital  na nossa sociedade, pois através da ação do artista, ela busca tratar de temas universais que refletem sobre o modo em que vivemos, nesse sentido,  a arte da performance é  uma nova forma de fazer arte, mas ainda assim trabalha com questões profundas sobre a alma humana.

Não é de se estranhar que trabalhos como o da artista performática Marina Abramovic tenha ganhado tanto prestigio e nos últimos anos. Em 2010 ela foi convidada pelo Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), para realizar uma exposição retrospectiva sobre o seu trabalho, Marina não apenas aceitou, mas decidiu produzir uma nova performance que teve a duração de 3 meses, a nova performance que também deu nome da exposição “The Artist Is Present”,  consistia na simples ação da artista em se sentar em um cadeira durante 7 horas por dia enquanto o publico era convidado a sentar-se pelo tempo que quisessem em uma cadeira colocada em frente a cadeira da artista . Como Marina fala no documentário produzido pela HBO, “MARINA ABRAMOVIC: THE ARTIST IS PRESENT”, uma das principais questões desse trabalho é mostrar como é difícil em nossos tempos realizar algo que parece ser tão simples: Permanecer quieto. A artista então, se utiliza da performance para questionar o publico sobre a nossa obsessão pelo movimento. Como podemos observar pelo documentário, a performance no MoMA teve como principal mérito o poder de emocionar e em certo sentido mudar psicologicamente a experiência do publico.


Se eu pudesse definir exatamente qual o papel da arte e do artista na nossa época, eu diria que o objetivo principal da arte seria provocar  nas pessoas  a percepção de que temos a cada dia nos afastados da nossa consciência sobre nós mesmo e que para além do discurso capitalista ou socialista, existe um individuo que deve buscar respostas na sua própria experiência individual, na exploração e no contato com os mais diversificadas elementos culturais.
Nesse sentido, a arte deve ser engajada no sentido de fazer as pessoas perceberem que  elas não precisam participar de um grupo fechado, de um partido politico, reproduzir um padrão "fashion", ou participar de uma tribo urbana para se definir. Mas  talvez aplicar a ideia existencialista como apresentada por Jean Paul Sartre em suas próprias vidas através do que eu talvez chamaria de “pesquisa referencial existencial continua.” O que implicaria em um modelo de vida mais experimental e desprendida de pura e simples reprodução de cacoetes sociais, e que por si, implicaria na possibilidade de desenvolver as mais diversas capacidades do individuo

1-Existência aqui compreendida no sentido Satriano.

Referências:

SARTRE, Jean Paul; FERREIRA, Vergílio; FORTES, Luiz Roberto Salinas; PRADO JÚNIOR, Bento (Trad.). O existencialismo é um humanismo; A imaginação ; Questão de método. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 191 p.

GLUSBERG, Jorge. A arte da performance. 2. ed. São Paulo, SP: Perspectiva, 2009 145 p

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