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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Eu, Rilke, Sartre, Van Gogh e Lady Gaga.

Essa ano eu comecei a escrever em uma agenda, eu entendo que esse espaço virtual funcionaria perfeitamente como agenda, mas acho que existe sempre aquele pontinho que você prefere guardar para você mesmo. Não que eu tenha medo de algo na minha vida ou que eu tenha algo para esconder, mas é muito mais aconselhável deixar a vida particular no particular. Ano passado eu fiz muitas observações sobre o meu cotidiano e sobre as pessoas em volta de mim por aqui, e eu pretendo continuar fazendo isso, mas agora, eu sinto que é necessário criar para mim um espaço onde eu possa ter um pouco mais de privacidade e liberdade para exprimir o inexprimível.

Detalhe de autorretrato de Vincent Van Gogh, Olho sobre tela, 1889

Nos primeiros dias desse ano, todo o drama do ano passado pareceu desmanchar-se completamente através dos meus olhos, mas a paz que reinou durante os primeiros 14 dias começou a ser remexida com situações que me levam novamente a repensar a nossa existência. O fato é que toda vez que eu me encontro em situações difíceis, eu me volto para a vida e a obra das pessoas que me inspiram e faço reflexões sobre minha própria existência. Hoje resolvi revisitar Rilke, Satre, Van Gogh e Lady Gaga, pois eu percebo que cada um deles, ao seu modo tentaram superar seus problemas com o que sabiam fazer de melhor. 

Inicialmente gostaria de começar por Van Gogh, o que me interessa aqui é falar sobre a sua crise existencial, sua solidão e o seu processo em meio a "loucura". A minha leitura de Van Gogh me aproxima muito do humano por trás do artista, as leituras de algumas das poucas páginas das cartas que ele escreveu para o seu irmão Théo, me fez perceber esse lado humano, solitário, amedrontado e apaixonado pela vida de uma pessoa incompreendida que ao fim acabou cometendo suicídio.

Nas longas e profundas cartas que escreveu para seu irmão, Théo, Van Gogh confessa a sua paixão pela literatura. Só os livros e as cartas o distraem de sua obsessão. Para, além disso, tudo é solidão e a tentativa de aprender a aceitar sua doença. A loucura o desgasta, o fatiga. Seus poucos momentos de lucidez são cautelosos, ele precisa se alimentar e pintar. O dramático contraste com Théo é perceptível  através da miséria do hospício, que ele mesmo descreve com grande realismo. Tirando a pintura, nada é logico.

GOGH, Van. Doze Girassóis numa Jarra. Óleo sobre tela. 91cm x 72cm. 1888

Sua obra é marcada por um duplo caráter, de um lado a “materialidade” e do outro a “metafisica”. Mesmo em suas naturezas-mortas podemos perceber paixão, raiva e compaixão. Simultaneamente violência e ternura. 
Van Gogh, que em vida só conseguiu vender uma única tela, e que depois de morto foi transformado em um dos artistas mais importantes e mais caro no mercado internacional de arte é um dos caso mais trágicos na história pintura.

Analisando esses fatos da nossa vida cotidiana, a mesquinharia, a nossa condição humana (demasiadamente humana, como escreveu Friedrich Nietzsche), eu tenho me prendido cada vez mais a ideia do filósofo Jean-Paul Sartre, que afirma que a existência precede a essência. As minhas leituras de parte da obra de Sartre tem me ajudado a superar parte dos meus anseios e frustrações. Aliado a isso, a leitura da obra do poeta Rainer Maria Rilke (sobretudo "Cartas para um Jovem Poeta"), tem me ajudado a explorar e questionar profundamente os meus desejos e a cutucar e colocar sal nas minhas feridas.

Lady Gaga é um outro referencial de vida. Ela é o tipo de pessoa que é extremamente amada e ao mesmo tempo odiada por muitos e desde o começo de sua carreira, ela tinha ambição de se transformar em alguém que tivesse potencial de transformar as pessoas ao redor. E de fato ela fez. Em 2011, quando lançou o seu mais que adorado/odiado/criticado e incompreendido Born This Way. Os ouvintes de musica pop não conseguiram compreender muito bem todo aquele inferno musical com vocais pesados e uma infinidade de guitarras. O disco em si lembram mais os clássicos de rock dos anos 70 e 80 que musica pop dos anos 2000.

Lady Gaga por Nick Knight
Com seus refrões grandiosos, batidas audaciosas e participações de integrantes do Queen e da E Street Band, Born This Way é a sua maneira, o mais próximo que Lady Gaga chegou de um album de rock. "Um monte de guitarras não constitui rock", ela afirma. "Tem a ver com o sentimento e o espirito." Gaga gravou quase todo o disco em um ônibus equipado com estúdio - "indo pela estrada, com o vento no cabelo, liberdade total e absoluta".(HIATT. p 67)

Entretanto, o espirito de transgressão do disco não está apenas na sonoridade, o tal sentimento e espirito ao qual Gaga se refere na entrevista para a Rolling Stone Magazine é perceptível durante todo o álbum.  De Marry The Night à The Edge of Glory, Born this Way desmiúça a visão de uma artista sobre um mundo que faz de tudo para nos fazer menores do que realmente somos. Nesse sentido o álbum é transgressor por tentar incentivar as pessoas a fazerem com que elas sejam exatamente aquilo que elas são.

"EU SÓ  QUERO SER QUEM SOU E QUERO QUE VOCÊ ME AME POR ISSO.¹"

Born This Way vendeu mais de 1 milhão de cópias e sua mensagem foi divulgada por praticamente todo o mundo durante uma turnê que durou praticamente um ano e que acabou abruptamente quando Gaga revelou publicamente em Fevereiro de 2013 que iria cancelar a turnê por causa de um rasgo labral em seu quadril que a impedia de seguir com a turnês adiante. O fato é que a mensagem de Born This Way rodou por todo o mundo e se ela tem impacto suficiente para modificar o mundo com alguns Little Monsters sugerem, eu não sei. O que de fato ocorreu é que a experiência de quase um ano do trabalho pesado de divulgação sobre esse disco provocou em mim uma mudança perspectiva sobre mim mesmo e sobre o mundo ao meu redor.
Born This Way não acabou com a fome na África, não trouxe a cura para a AIDS (apesar de Gaga tocar no assunto com Electric Chapel), mas ele revolucionou o meu mundo ao fazer reviver em mim o espirito de rebeldia em defender e ser quem eu sou, pois eu nasci desse jeito. Não há nada de novo em Born This Way além do que eu já sabia, mas ele reativou aquele grito de liberdade individual que estava se calando lá dentro. Como a própria Gaga declarou:

"Born This Way é a minha resposta para muitas questões ao longo dos anos: Quem é você? De que fala você? [...] O tema mais supremo na gravação é eu tentando entender como posso existir como eu mesma, como alguém que vive entre a fantasia e a realidade ao mesmo tempo. (GAGA)"

Quem somos? Para que servimos? Para onde vamos? Todas essas questões e muitas outras sempre aparecem para a gente uma hora ou outra. Elas são essencialmente humanas e todas as culturas tentaram de alguma forma resolver essas questões seja através do mito, da arte ou da ciência. Quando eu olho em retrospectiva para o meu caminho até agora, são exatamente esses perguntas que me vem, mas a vida me deu respostas e Born This Way me deu um caminho. Quando eu olho para mim todas as manhãs no espelho do banheiro, a unica resposta que me vem em mente é "Eu estou aqui e eu nasci desses jeito". Não existe resposta mais poderosa que essa para mim.

¹ Trecho da canção "Hair" presente no album Born This Way

REFERÊNCIAS

HIATT, Brian. Deusa Monstro-Unicornios, sonhos sexuais e a revolução dos estranhos: Por dentro do mundo irreal de Lady Gaga. In: Rolling Stone Brasil. Edição Nº 57. Junho de 2011 

Lady Gaga Says Born This Way Is 'My Answer To Many Questions'. Disponível em: http://www.mtv.com/news/articles/1664019/lady-gaga-metro-editor.jhtml  Acesso em: 08/03/2014

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