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domingo, 29 de setembro de 2013

MEU CORPO É UMA PRISÃO- ME TIREM DAQUI.

Eu me senti pressionado. Acho que de certa forma todo mundo se sente assim por algum motivo. Obviamente a universidade e a incerteza sobre o meu futuro profissional tem 60% de culpa sobre essa pressão, mas existe uma energia maléfica, sombria e demasiadamente pesada em torno da minha vida. É angustiante e eu não sei exatamente como explicar. De alguma forma, essa energia tem me impulsionado a trava uma batalha interna em que nenhum dos dois lados parece ganhar. Existe esse sentimento interno que me diz que eu não posso escapar. 

Às vezes, acho que se eu não me importasse tanto com as coisas, tudo poderia ser bem mais fácil ou até mesmo mais suportável. Quando a sua cabeça está te deixando deprimido, ou cheio de dores, a ponto de estragar a “sua dança”, ela começa a se tornar uma gaiola. Descarte disse: “Penso, logo existo”, e dessa forma acabou decretando que a mente é a grande charada da existência. O fato é que minha mente esta totalmente fodida. Isso quer dizer que minha existência, ou me sentimento de existir ou fazer parte de alguma coisa também está. 

As coisas acabam se tornando existencialmente mais frustrantes quando percebemos que é basicamente impossível ter controle sobre as situações. Mesmo quando se trata de sua própria vida, você não tem 100% de autonomia. Dentro de certo contexto, eu estou sempre nessa jornada, em busca de alguém com quem eu possa me conectar. Pois nem sempre estar perto é perto o bastante. 

Dentro de um contexto sexual, quando estamos a ter relações sexuais com alguém que amamos – no meu caso, isso é mera especulação - não há o sentimento de que queremos chegar o mais perto da pessoa o possível, conectar se de uma maneira tão profunda e física o possível? Estar dentro de alguém ou ter alguém dentro de você não pode nunca ser o bastante, já que obviamente a pele e as estruturas faciais separam cada indivíduo em zonas espaciais distintas. Você já quis rasgar o rosto de alguém enquanto o beijava para se sentir um pouco mais conectado? Como uma espécie de tentativa genuína de fusão fora da realidade mundana de sua residência cotidiana (ou seja, seu próprio corpo?).

Esse desejo humano para o que tem sido chamado de “corpo aberto” tem sido pesquisado e tratado por um grupo bastante radical de filósofos do século 20 (Maurice Merleau-Ponty, Georges Bataille, Michel Foucault, Slavoj Žižek). Foucault particularmente é do meu interesse, especialmente por ele apresentar um grande fetiche pelo pratica sexual sadomasoquista. Essa pratica visceral e em alguns casos sangrenta permite a sensação de ter o corpo aberto e acessível para as outras pessoas ao redor. Além disso, ele gostava de se envolver em tal pratica no que ele chamava de lugares de “não identidade”, no qual os indivíduos anônimos experimentavam se conectar através de sua “carne crua” (estamos falando de sangue e outros fluidos corporais!) para escapar do fato solitário dos seus corpos isolados.

Do mesmo modo, artistas performáticos ao longo do século 20 - muitos deles com condições médicas graves - têm visceralmente respondido a esta escola do discurso. O trabalho de Ron Athey - um artista performático gay sadomasoquista, encenou as implicações do HIV no corpo. Sua obra mais impactante, em minha opinião, é a sua subversiva reencenação do martírio de São Sebastião (1990): nu, expondo seu corpo tatuado, enquanto assistentes perfuram sua pele - incluindo o seu rosto - com setas de metal, provocando fluxos de sangue que caiam ao chão. 
(PS: só assista ao vídeo se tiver estômago forte)


O erudito Robert Mills, pesquisando a natureza da dor e do prazer na iconografia hagiográfica - mostra que os mártires medievais "concebiam seus corpos como uma prisão da qual eles desejavam escapar... denegrindo as sensações da carne, a fim de afirmar o poder do espírito", Athey, pelo contrário, constrói uma tentativa propositadamente falha de alcançar qualquer forma de transcendência metafísica. Com quanto mais setas ele é perfurado em um esforço para abdicar sua própria estrutura física, mais a gravidade zomba de tal transcendência impulsionando sua carne e sangue físicos a caírem no chão da galeria. Seu corpo está aberto, sim, mas não a qualquer coisa acima - apenas um mundo imanente e demasiadamente carnal abaixo dos seus pés.
SAINT SEBASTIAN- GERRIT VAN HONTHORST

Controversamente, o seu sangue “infectado” muitas vezes se infiltra no espaço do espectador, causando indignação e às vezes, invocando a ilegalidade. Na abertura de seu próprio corpo para o mundo exterior, os “outros” são suscetíveis à infecção (ainda que dessa forma, a transmissão do HIV seja quase impossível). Essa é sem duvida uma das suas performances mais pungentes e faz cair por terra à ideia de que o nosso corpo é completamente fechado para o mundo exterior.

Eu fiz essa grande volta( talvez totalmente desnecessária e cansativa) para falar sobre o bom e velho discurso sobre a “imagem”  e a “essência”. Minhas ultimas analises sobre o tratamento que as pessoas costumam me dar me fizeram perceber que talvez, estejamos todos viciados na “imagem”. A imagem poderia significar alguma coisa se ela não fosse ambígua. É por isso eu me sinto preso dentro do meu corpo. Eu me sinto preso dentro da minha imagem. Se eu pudesse por um momento escolher uma imagem para mim, eu escolheria uma imagem que reflita o meu consciente interno. Seria uma imagem que apresentasse uma ideia clara sobre quem eu sou. Talvez esse texto seja desnecessário e a minha unica necessidade seja sair para fazer comprar, mas eu não sei, talvez a minha questão existencial sobre a dicotomia entre minha imagem e o meu âmago não possa ser resolvido comprando uma bermuda Calvin Klein ou uma camisa Tommy Hilfiger.

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